quinta-feira, 14 de maio de 2009

Sexta-feira à noite


Sexta-feira. Os sons lá fora denunciavam que havia vida na cidade. Aos poucos, eles diminuíam o seu ritmo frenético e se calavam por instantes para contemplar a noite sem luar. Se lá fora existia o silêncio, o grito mudo queria explodir dentro do apartamento de Adele. 


Ela roía as unhas impaciente, tentando em vão controlar a ansiedade que a dominava. Escorria água dos cabelos curtos e molhados, ferindo os ombros nus como picadas de mosquito, a camiseta mal cobria a alvura das suas coxas, mas não era isso que a perturbava. Descalça, andava pela casa, sem rumo, sem direção certa. Andava mais pelo comando das pernas do que pela consciência do que fazia.Uma raiva intensa começou a surgir. Incontrolável. Prestes a romper como a lava espessa, quente e borbulhante do vulcão em erupção. Era uma mulher de temperamento forte e de pavio curto. Impulsiva. Paciência e calma eram duas palavras que não existiam no vocabulário de Adele. 


Estava esperando há horas e nenhum telefonema, nenhuma mensagem, nenhuma porra de resposta. Ela estava cansada disso. Quem o filho da puta pensa que eu sou? Alguma trouxa? Ele acha que sou burra? Que não percebo as coisas? Mas isso não ia ficar assim, não! Por que não sou mulher de aguentar desaforo calada. Se ele estiver aprontando alguma, ele ia se fuder. Por que vou dar o troco e será pior, muito pior. Se ele realmente pensa que vou ficar ali esperando feito uma idiota por ele, está completamente enganado. Se ele acha que vou ficar chorando pelos cantos...o cacete. Por que faço pior, muito pior. Agora que eles estavam conseguindo lidar melhor com as diferenças, ele aprontava com ela. Há seis meses moravam juntos, esta era a terceira vez que ele desaparecia sem dar a menor satisfação. Ela já tinha aguentado demais. Ele realmente não sabia do que ela era capaz. 


Resolveu se sentar no peitoril da janela e olhar a bela noite que fazia. Ao invés de acalmá-la, a tranquilidade da noite lhe irritou profundamente. O tempo ia passando devagar como se não tivesse pressa em devorá-la. Preferia matá-la aos poucos.O jantar, que fora preparado com tanto cuidado, havia esfriado. Na casa, as janelas observavam os pratos vazios, os talheres inúteis, a comida insensível à dor daquela que a preparara a pouco. 


O gosto amargo do ódio subia-lhe pelo estômago e dava-lhe uma azia terrível. Num súbito impulso, ela saiu correndo em direção ao quarto. Abriu o guarda-roupa e atirou as roupas dele sobre a cama. Jogou-as indistintamente, sem piedade sobre a mala que havia embaixo da cama. Depois de fechar bem a mala, colocou-a no corredor lá fora. Em seguida, escolheu um vestido, o mais decotado, o mais curto e abusado que tinha no guarda-roupa. Olhou-o demoradamente. Namorou por um longo tempo. Então, tirou a camiseta, e colocou-o sobre o corpo. Pegou as sandálias de salto, calçou-as e olhou-se no espelho cheia de malícia. Logo depois, apanhou a bolsa e caiu na noite.