quarta-feira, 4 de março de 2009

Quarta-feira de Cinzas

Enquanto as fantasias e máscaras se confundiam na multidão, a serpentina e o confete enfeitavam com suas cores as calçadas.
E as risadas, as cantorias e batucadas enchiam de vida as ruas. Ainda havia resquícios do carnaval na cidade.

À medida que Adele caminhava em direção a praia, o barulho ia ficando mais distante. Só havia o som das ondas chicoteando o ar. Ali ela não seria incomodada.


Quando parou para olhar o mar, notou a presença de uma jovem não muito longe dela. Ela virou em sua direção e sorriu.


- Você está fugindo da multidão?


- Parece que não sou a única.


- É verdade.


Adele caminha até a água e molha os pés, enquanto Maria se aproxima devagar.


- O mar estava me chamando, eu não podia recusar o seu convite.


- Acho que ele não vai se importar se tiver mais uma pessoa como companhia.


Alegre, Adele entra no mar e convida a nova amiga a se juntar a ela. No entanto, um pouco tonta por causa da bebida, ela tropeça e cai. A jovem, que a observava atentamente, corre em seu socorro.


Uma onda mais forte a desequilibra e faz com que caia por cima de Adele. Ambas rolam pelo chão e começam a rir. Ao tentar levantá-la, Maria toca no corpo dela com firmeza, a outra finge não notar o movimento.


As duas sentam-se na areia e em silêncio contemplam a paisagem noturna. Depois de um tempo, Maria vira para o lado de Adele e toca no seu rosto, que se assusta com o movimento e rapidamente recua. A primeira se aproxima novamente e abraça a outra carinhosamente.


Era um abraço terno como o carinho de uma mãe que protege o seu bebê. Envolvida por esse abraço, Adele começa a chorar. Naquele instante, sentiu uma grande tensão partir, como um raio, o seu âmago em dois: era, ao mesmo tempo, o seu desejo infantil de proteção e o desejo latente da mulher.


Nunca havia sido tocada com tanta delicadeza. Um gesto de amor genuíno e tão espontâneo fora dado por uma completa estranha.


Uma sensação de bem-estar misturada com um estranhamento a invade por completo e assim, ela aceita as carícias da amiga e as retribui com gratidão.


Um beijo brota dos lábios fraternos. Um beijo longo, salgado, sem pressa e medo de ser saboreado. Enquanto isso, os primeiros raios de sol aparecem no horizonte, iluminando as latas de cervejas e garrafas vazias espalhadas pelas ruas.